LADRÕES “MADE IN” MPLA

“Precisamos de promover o made in Angola”, afirma o Presidente da República (João Lourenço). A ideia foi já aplaudida pelo Presidente do MPLA (João Lourenço) e pelo Titular do Poder Executivo (João Lourenço). Estará a falar dos 20 milhões de pobres? Dos cinco milhões de crianças que estão fora do sistema do ensino? Dos milhões de escravos angolanos que continuam a aprender a viver sem comer?

O ano passado um jovem foi detido por ter produzido um vídeo partilhado nas redes sociais em que falou da fome em Angola (coisa que não existe, como podem testemunhar os nossos 20 milhões de pobres) e apelidou o presidente angolano de “gatuno”. E dizer a verdade é, de facto, um crime. O Presidente pode chamar-nos de lúmpenes, burros e ladrões, mas nós só o podemos chamar de “querido líder”, de “deus”…

No vídeo em causa, três jovens trabalhadores de uma empresa chinesa envolvida nas obras do Novo Aeroporto Internacional “Agostinho Neto” que na altura o presidente da República, general João Lourenço, visitou, diziam: vamos receber o “nosso gatuno” e criticavam o despesismo do Estado.

“Todo o dinheiro do Estado está aqui e o povo passa fome”, dizia um dos jovens, criticando o facto de alguns trabalhadores das obras ganharem acima de um professor.

“Para quem vem de fora, vê o nosso país e diz Angola já não passa fome”, prosseguia o lamento desse jovem, mostrando a moderna infra-estrutura que começou a ser desenvolvida há 25 anos e cujo custo ultrapassava já em 2017 mais de 6 mil milhões de dólares (5,7 mil milhões de euros).

“Tem muita gente a sofrer, muita gente que não come há não sei quantos dias, que não estuda por falta de condições, muitos professores que já não querem dar aulas porque são mal pagos, outros que são corruptos porque o Estado paga mal”, indignava-se.

“Produziram um vídeo insultuoso, um vídeo com conteúdo ofensivo”, disse Manuel Halaiwa, director do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do SIC, explicando que estavam em causa crimes de ultraje ao Estado, difamação e calunia contra o Presidente da República e os seus símbolos.

“Este vídeo viralizou nas redes sociais e provoca danos à imagem do representante de Estado e aos seus símbolos”, sublinhou, reforçando o apelo do SIC aos jovens para que “usem as redes sociais para fins positivos”. E fins positivos, entenda-se, é mentir. O próprio dono do SIC, Presidente do MPLA, da República e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, disse que viu roubar, participou nos roubos, beneficiou dos roubos mas (é claro!) não é ladrão. Mas ao “querido líder” e aos seus lacaios tudo é permitido. Por alguma razão todos sabem que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA.

João Lourenço disse que todos os que não pensam como ele são “burros, bandidos e lúmpenes. Pela parte que nos ( Folha 8) cabe, agradecemos a qualificação, desde logo porque ela significa que, em matéria de angolanidade, qualquer semelhança entre nós e João Lourenço é mera e ténue coincidência.

O crime de ultraje ao Estado angolano, seus símbolos e órgãos consta do artigo 333.º introduzido em 2020 no novo Código Penal.

Recorde-se que nos países civilizados (que estão nos antípodas do reino do MPLA) existe a designação legal de Pessoas Politicamente Expostas (PPE). Mas como Angola é um reino unipessoal do presidente do MPLA e não um Estado de Direito Democrático, não há por cá PPE, o que coloca todos os dirigentes acima (muito acima) dos cidadãos e, por isso, pertencem a uma casta intocável que apenas pode ser venerada.

O polémico artigo 333 levantou críticas de vários quadrantes da sociedade, tendo na altura o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, garantido que o objectivo não era impedir críticas às acções do Presidente da República.

O n.º 1 do referido artigo estabelece que “quem, publicamente, e com intuito de ofender, ultrajar por palavras, imagens, escritos, desenhos ou sons, a República de Angola, o Presidente da República ou qualquer outro órgão de soberania é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou multa de 60 a 360 dias”.

Em entrevista à Televisão Publica do MPLA, em Novembro de 2020, Francisco Queiroz sublinhou que aquele artigo pretendia proteger o bom nome, a honra e a dignidade das pessoas, protecção que sairia reforçada por ser aplicada aos símbolos nacionais e ao Presidente da República.

O então ministro garantiu também que não seria proibida a divulgação de caricaturas, contrariando assim receios de alguns fazedores de opinião.

Na altura, organizações não-governamentais como a Friends of Angola mostraram-se preocupadas com a criminalização de jovens activistas cívicos e políticos, devido à introdução do artigo 333.º e apelaram ao Presidente da República que travasse a medida.

Também alguns juristas angolanos alertaram na altura para o facto de esta norma poder constituir uma ameaça para as liberdades de expressão e de imprensa.

Em abstracto, a Constituição consagra a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa como direitos fundamentais, não podendo o exercício destes direitos ser impedido, ou limitado, por qualquer tipo ou forma de censura.

Os jornalistas têm (se acaso se falasse num Estado de Direito Democrático) o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa, não podendo ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais referidos quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei.

O direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem encontram-se protegidos constitucionalmente. A extensão do âmbito de tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada varia em função da natureza do caso e da condição das pessoas (notoriedade, exercício de cargo público, Pessoas Politicamente Expostas, etc.).

A foto de uma pessoa não pode ser exposta, reproduzida ou lançada no comércio sem consentimento dela, não carecendo desse consentimento quando assim o justifique a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

Os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos nos casos expressamente admitidos pela Constituição, sendo que qualquer intervenção restritiva nesse domínio, mesmo que constitucionalmente autorizada, apenas será legítima se justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido, devendo respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade e não podendo afectar o conteúdo essencial dos direitos.

O que diz a Constituição de Angola

Artigo 32º
(Direito à identidade, à privacidade e à intimidade)
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à nacionalidade, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva de intimidade da vida privada e familiar.
2. A lei estabelece as garantias efectivas contra a obtenção e a utilização, abusivas ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias.

Artigo 40.º
(Liberdade de expressão e de informação)
1. Todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito e a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício dos direitos e liberdades constantes do número anterior não pode ser impedido nem limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. A liberdade de expressão e a liberdade de informação têm como limites os direitos de todos ao bom nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, a protecção da infância e da juventude, o segredo de Estado, o segredo de justiça, o segredo profissional e demais garantias daqueles direitos, nos termos regulados pela lei.
4. As infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e de informação fazem incorrer o seu autor em responsabilidade disciplinar, civil e criminal, nos termos da lei.
5. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, nos termos da lei e em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

Pessoas Politicamente Expostas (PPE)

As PPE são aquelas pessoas que, segundo a definição do Parlamento Europeu (PE), “podem representar um risco mais elevado de corrupção pelo facto de exercerem ou terem exercido funções públicas importantes”, como chefes de Estado, chefes de governo, ministros, membros dos órgãos de direcção de partidos políticos, juízes de tribunais supremos e deputados, assim como cônjuge, pais, filhos e os cônjuges destes últimos.

É claro que a definição do Parlamento Europeu não se aplica a Angola. Aliás, todo o Direito Internacional só se aplica a Angola no que o regime do MPLA entender que se deve aplicar. E pode mesmo acontecer que se aplique aos partidos da Oposição e não ao partido do Governo.

Dando como válida esta definição do PE, presumimos que a Josefina Zungueira seja uma PPE, ao contrário de João Lourenço que apenas é ao mesmo tempo chefe de Estado, chefe de Governo e líder do MPLA.

Em Portugal, a lei das PPE é a principal responsável, por exemplo, pelo aparecimento de boa parte dos inquéritos criminais relacionados com titulares de cargos políticos e públicos de Angola. Manuel Vicente, ex-vice-presidente da República, João Maria de Sousa, procurador-geral, e diversos generais com cargos políticos que começaram a ser investigados pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) por suspeitas de branqueamento de capitais devido às comunicações obrigatórias que os bancos do sistema financeiro português são obrigados a fazer para a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária – e que levam sempre à abertura de um pré-inquérito para averiguar se existem suspeitas fundadas para uma investigação formal no DCIAP.

A directiva europeia original de 2005 foi actualizada em Maio de 2015 com uma directiva do Parlamento Europeu que alarga de forma significativa o âmbito de quem tem acesso às informações relacionadas com as PPE.

Com as novas regras, os países da União Europeia são obrigados a manter um registo central com informações sobre os beneficiários efectivos de sociedades, fundações e outras estruturas, visando identificar as pessoas que estão, na realidade, por detrás dessas entidades.

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